3 DEBATE SOBRE O QUE É E COMO SURGE A FIGURA DO POLÍTICO
As reflexões a seguir são feitas, a partir da leitura do diálogo O Político de Platão. O debate acontece entre Sócrates, Teodoro, o Estrangeiro e Sócrates, o jovem. Já no início do debate Teodoro comenta: - Pois em breve, hás de dever-me uma gratidão três vezes maior, ao completarem eles o retrato do político, e a seguir o do filósofo. (O político, 257 a). A partir dessa primeira exposição sobre o político, passa a classificar a ciência entre: ciência prática e ciência puramente teórica. O diálogo se desenrola. Platão comenta pela boca do estrangeiro:
ESTRANGEIRO
- Por outro lado, é evidente também que um rei para manter-se no poder não recorre à força das mãos ou ao vigor de seu corpo, mas à força de sua inteligência e de alma.
(O político, 209 c)
Então pergunta, direcionando o debate para a questão da ciência política e do Político como aproximação da ciência real e do homem real, diz o ESTRANGEIRO - Poderemos fazer então da ciência política e do político, da ciência real do homem real uma só unidade?(209 d)
Obviamente pode-se perceber, ao longo do discurso, o embate onde qual é o lugar do Rei: deverá ser este colocado, enquanto aquele que detém a ciência (arte) critica, desempenhando o papel de simples espectador ou como aquele que detém a arte diretiva? Pois, na realidade ele ordena como senhor e como tal deverá ser obedecido.
Então ele comenta que não deve-se entender o Político como criador de seres, tal como o lavrador que cuida do seu boi ou do tratador que cuida do seu cavalo, porém, como o criador de todos os cavalos e de todos os bois. Assim, o coloca como um o indivíduo de responsabilidades maiores.
Passando a classificar os animais terrestres entre bípedes e quadrúpedes, entre os bípedes destacam-se aqueles com e sem penas, o homem que cosegue fazer tais defenças, revela-se enquanto artista pastoredor de homens. Com isto, conseguiria-se descobrir o homem político e o real colocando-o como condutor e entregando-lhe como direito, as rédeas do Estado, por serem homens que possuem a ciência necessária. Assim, Platão aponta enfim o que é a arte do Político: esta é colocada como a arte de dirigir os homens (267 b). Diz pela boca do estrangeiro:
ESTRANGEIRO
- Entre as muitas formas da arte de pastoerar encontra-se uma: a política, e vemos qual é o seu rebanho.
SÓCRATES, O JOVEM
- Sim.
ESTRANGEIRO
- A discussão não a conceituou como criação de cavalos ou quaisquer outros animais, e sim como ciência que cuida de homens que vivem em comunidade.
(O Político, 267 c)
Então compara o político com o tratador do rebanho, pois, a este cabe alimentá-los, medicá-los, escolher o coito, demonstrando ainda que tanto na criação quanto no nascimento, acaba por se tornar o único parteiro competente. Assim, na medida que seus animais participam da sedução da música, nenhum outro é capaz de acalmá-los e de consolá-los por meio de sons. Sabendo ainda executar exatamente a música que seu rebanho gosta, por intermédio de instrumento ou mesmo só pela voz. Nesse sentido, os pastores (Reis) de homens participam da mesma ideia.
Então Platão recorre, para poder explicar a origem de toda essa discussão, ao mito de Atreu e Tiestes que narra as mudanças ocorridas no movimento dos astros. Alterado por deus devido ao terrível crime de Atreu. Além disso retoma também a ideia sobre o que se fala de Crono, no tempo deste, os homens nasciam da terra e não uns dos outros. Em alguns momentos eram os próprios deuses que regiam o curso do universo e presidiam as revoluções e grandes mudanças. Outros no entanto, deixavam que seguisse seu próprio destino. Segundo o filósofo, o movimento de retrocesso faz parte do processo de natureza. Como afirma pela fala do estrangeiro:
- Somente ao que há de mais divino convém conservar as mesmas qualidades, permanecer o mesmo estado e se sempre o mesmo. A natureza corpórea não participa dessa oredem. O que chamamos céu e mundo. O que chamamos céu e mundo, apesar dos muitos dotes esplêndidos que recebeu de seu criador, está preso à sorte do corpo. Por isso é impossível que fique eternamente alheio à mudança e, na medida de suas forças, move-se no mesmo espaço, com um movimento mais idêntico e mais uno de que é capaz. Eis por que foi animado do movimento de retrocesso circular que dentre todos é o que menos o afasta de seu movimento primitivo. Ser a causa contínua de sua própria rotação não é possível senão ao que rege tudo aquilo que se move. Esse ser, porém, não pode mover-se, ora num sentido, ora no sentido contrário. Por estas razões todas não podemos afirmar que o mundo seja a causa contínua de sua própria rotação nem dizer que toda ela, sem interrupção, é dirigida por um deus nas suas revoluções contrárias e alternadas e muito menos que ela se deve a duas divindades cujas vontades se opõem. Mas, como dizia há pouco, a única solução que resta é que umas vezes ela seja dirigida por uma ação estranha e divina e assim, recebendo uma nova vida, recebe, igualmente de seu autor, uma nova imortalidade, que outras vezes, abandonado a si mesmo, caminhe em retrocesso durante milhares e milhares de períodos, pois que a sua grande massa se move num perfeito equilíbrio sobre um eixo extremamente pequeno. (O Político, 269 e)
Assim, nos parece muito claro que o destino dos homens estava diretamente interligado à vontade dos deuses. Porém, durante tais ocasiões o filósofo deixa claro que a morte provoca as maiores devastações entre os seres vivos, reduzindo, em última instância o gênero humano a um pequeno número de sobreviventes. Nesse sentido, ao realizar-se a inversão do movimento atual, os que se mantém vivos, acabam por sofrerem toda espécie de estranhos e insólitos acidentes. Entre os quais aponta um como sendo o mais grave:
ESTRANGEIRO
— Todos os seres vivos, então, pararam na idade em que estavam e tudo o que era mortal já não contemplou mais o espetáculo de um envelhecimento gradual. Depois, progredindo em sentido contrário, cresceram em juventude e frescor. Os cabelos brancos dos t velhos tornaram-se pretos.
Naqueles em que a barba já era crescida as faces se alisaram e cada um retornou à flor da mocidade. Os corpos dos imberbes tornando-se ainda mais tenros e menores, dia por dia, noite por noite, voltaram afinal ao estado de crianças recém-nascidas, a elas semelhantes em corpo e alma, e prosseguindo, após o seu declínio, acabavam por desaparecer completamente. Os cadáveres dos que naquele tempo haviam padecido morte violenta sofreram as mesmas transformações, e com tal rapidez que em poucos dias deles nada restava.
(O Político, 270 e / 271 a)
Então Sócrates, o jovem questiona: — E como então, naquele tempo, se dava o nascimento dos seres vivos, caro Estrangeiro? Como se procriavam uns aos outros? (271 a). E o estrangeiro responde apontando como foi discutido até então, na época em destaque, segundo sua própria natureza, que não podiam procriarem-se uns aos outros. Tal raça era nascida do seio da terra, e os personagens guardavam essas lembranças, chegando até nós pelos antepassados. Homens estes imediatamente surgidos ao fim deste ciclo antigo como é explicado na citação a seguir:
A meu ver, impõe-se pensar assim: desde que os anciãos voltavam a ser crianças, os mortos sepultados na terra conseqüentemente deveriam reconstituir-se e voltar à vida, levados por este movimento de volta que fazia com que as gerações caminhassem em sentido oposto; e sendo que assim nasciam, necessariamente, do seio da terra, dela receberam o seu nome e a sua história; quando não foram dirigidos por um deus para outros destinos. (O Político, 271 c)
Surge então a dúvida: a vida no tempo de Crono pertencia a outro ciclo ou a este, uma vez que, as mudanças no sentido do curso, ocorreram em ambos os ciclos. Então aparece a figura dos pastores divinos mostrando uma possível saída quanto a este embate, o estrangeiro responde que tais fatos pertenciam a um ciclo precedente e que, portanto:
Nesse tempo, a direção e a vigilância de Deus se exercia, primeiramente, tal como hoje, sobre todo o movimento circular, e essa mesma vigilância ainda existia localmente, pois todas as partes do mundo estavam distribuídas entre os deuses encarregados de governá-las. Aliás, os próprios animais então se dividiam em gêneros e rebanhos sob o bordão de gênios divinos e cada um deles provia, plenamente, todas as necessidades de suas ovelhas não havendo feras selvagens, nem acontecendo que uns devorassem a outros, nem guerras, sem desentendimentos; e eu poderia contar, ainda, milhares de outros benefícios a esse tempo dispensados ao mundo. Mas, voltando ao que se refere aos homens que, então, não tinham preocupação alguma para viver, esta é a explicação: era o próprio Deus que pastoreava os homens e os dirigia tal como hoje, os homens (a raça mais divina) pastoreiam as outras raças animais que lhes são inferiores. Sob o seu governo, não havia Estado, constituição, nem a posse de mulheres e crianças, pois era do seio da terra que todos nasciam, sem nenhuma lembrança de suas existências anteriores. Em compensação tinham em quantidade os frutos das árvores e de toda uma vegetação generosa, recebendo-os, sem cultivá-los, de uma terra que, por si mesma os oferecia. Nus, sem leito, viviam no mais das vezes ao ar livre, pois as estações lhes eram tão amenas que nada podiam sofrer, e por leitos tinham a relva macia que brotava da terra. Era esta, Sócrates, a vida que se levava sob o império de Crono; e quanto à outra, a de agora, e que, ao que se diz, está sob o império de Zeus, tu a conheces por ti mesmo. Podes dizer qual delas é a mais feliz? (O Político, 272 a e b)
Como apontado pelo discurso acima, acerca de qual dos homens era o mais feliz, se o que vivia no reinado de Crono ou os outros que estavam sob o império de Zeus. O interlocutor responde:
ESTRANGEIRO
— Se os tutelados de Crono, em seus lazeres que eram muitos, e tendo a faculdade de entreter-se, não apenas com homens, mas também com animais, se usaram de todas essas vantagens para praticar a filosofia, conversando com os animais e entre si, e interrogando a todas as criaturas para ver se haveria uma que, melhor dotada, enriquecesse, com uma descoberta original, o tesouro comum dos conhecimentos humanos, fácil seria dizer que eles eram infinitamente mais felizes do que os homens do presente. Se, porém, apenas se ocuparam em fartar-se de alimentos e bebidas, não procurando contar ou ouvir de outros e dos animais senão fábulas, tais como as que hoje se contam a seu respeito, a resposta seria fácil, creio.
( O Político, 272 d)
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